Uma análise do Romance " As Meninas" de Lygia Fagundes Telles.

O romance As meninas de Lygia Fagundes Telles, da Livraria José Olympio Editora S.A, edição de 1978 com 257 páginas, nos traz um retrato da vida de três adolescentes que vão morar num pensionato de freiras com a intenção de realizar seus estudos universitários surgindo assim uma amizade entre elas. Suas histórias de vida, bem diferentes, se cruzam a partir daquele momento e cada uma delas vai relatando o que lhes aconteceu até então, compartilhando seus dramas e sonhos, proporcionado ao leitor identificar as diferenças sócio-culturais trazidas na bagagem de cada uma delas. O leitor tem que prestar muita atenção na leitura, pois a escritora transcreve o real, o passado e o sonho das meninas de forma mesclada e isso causa necessidade de retornar o parágrafo algumas vezes.

O foco narrativo é em primeira pessoa. A sequência cronológica é marcada por alguns dias ou poucas semanas. O tempo é voluntariamente vago e difícil de precisar, mas o que prevalece é o tempo psicológico, pois tudo acontece através do pensamento e da evocação do passado com lances do presente.

Lígia Fagundes Telles ao lançar o livro em 1973, deixa claro na obra temas polêmicos, como o uso de drogas, o sexo na adolescência, aborto e a revolta com a política nacional. Foi um dos períodos mais importantes e difíceis para a emancipação da mulher e a liberdade de pensamento. Na época a ditadura militar era a lei e quem não estava de acordo era obrigado a calar-se.



Uma das garotas é Lorena Vaz Leme, filha bem educada por pais com um bom poder aquisitivo. Ela tem todas as regalias, inclusive fazer uso de um carro que é sempre emprestado à amiga revolucionária.
 
Lorena tem boas roupas, carinho e conforto e o que precisar é só pedir a madre superiora. Ela representa o lado feminino tradicional, pois está sempre preocupada com o asseio pessoal deixando claro sua autoestima, gosto pela música, teatro e coisas que envolvem o lado bom do ser humano, sob o aspecto sócio-cultural, embora demonstre ingenuidade com o que acontece no país no contexto político, pois não mostra interesse por seus acontecimentos, faz um questionamento sobre o poder e a liberdade de escolha de cada ser humano, como expressa o 2º parágrafo: “O controle é meu, para quando quiser”.

Mas, quem é que tem o controle? A própria Lia que falava sempre de cima de um caixote mantinha ainda essas “rédeas”?

Como toda garota, Lorena sonha com seu amor. Na história, é apaixonada por um médico casado, pai de família. Sempre vagando em seus pensamentos, fica à espera desse amor platônico agonizando por um telefonema.

Ana Clara Conceição é aluna do curso de psicologia, mas está com a matrícula trancada. É filha de uma prostituta e tem muitos problemas psicológicos. Trabalha como modelo e é noiva de um milionário. No entanto, namora outro rapaz, uma traficante de drogas por quem se diz apaixonada. Este sabe do noivado, mas não se importa com isso, pois Ana tem alguns planos e diz que após o casamento, o problema deles estará solucionado. Terão dinheiro para fazerem muitas viagens. Assim, vive aprisionada na imaginação em ter uma vida diferente e para se valer de que isso um dia irá acontecer, faz uso de drogas e álcool.

Por fim Lia de Melo Schultz, filha de uma baiana e um ex-nazista alemão. Tem ideias revolucionárias e não aceita as condições sociais de vida no Brasil. Está sempre com planos novos e conta com a ajuda da amiga Lorena para eventuais afrontas políticas.

Ao contrário de Lorena, não tem preocupação com a aparência nem com a higiene. Acha tudo isso uma perda de tempo. Namora Miguel, também ativista político. No decorrer da história, ele é preso e levado para fora do Brasil sem que a namorada fique sabendo do local exato e assim Lia passa a procurar informações do seu paradeiro.

Percebe-se na obra que a autora faz um paralelo de como se vive numa sociedade, no caso a brasileira, com inúmeras características sociais, morais e culturais que um povo deixa transparecer. Num país como o Brasil, na época regida por imposição militar, as diferenças sociais eram muitas e por muito tempo ainda serão.

A personagem de Lorena passa a sensação do feminino, do bem estar, do meio histórico-cultural que todos merecem ter ou fazer parte. Ela traz um pensamento divino e cristão, no qual o homem tem sua origem. Isso pode ser lido no capítulo cinco, página 92 o seguinte: “... que estou transbordando de amor, Jesus, salve minhas amigas. Salve minha mãezinha tão glingue-glongue. Meu irmãozinho com seus carros, suas mulheres e culpa,...” Este é o pensamento cristão-católico de que em Jesus há a misericórdia e o perdão dos pecados, bem como a salvação eterna da alma.

Já quando Lygia Fagundes Telles dá vida à personagem Lia, ela se refere às pessoas que não estão satisfeitas com o que a sociedade oferece e lutam por uma causa que lhes trará melhores condições de vida.

Quanto à personagem de Ana Clara existe a intenção de mostrar que muitos homens e mulheres não conseguem administrar o que tem e o que não tem e assim caem na autodestruição por meio de álcool, drogas e psicotrópicos. Isto quer dizer que cada história tem o seu momento e esse momento pode ser transcrito por qualquer pessoa que tenha a intenção de fazê-lo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Resenha do livro Sociolinguística – Uma Introdução Crítica ( Louis-Jean Calvet)

TRIÂNGULO AMOROSO ENTRE JERICOACOARA- PARNAÍBA E TERESINA