Resenha do livro Sociolinguística – Uma Introdução Crítica ( Louis-Jean Calvet)
Resenhando o livro
Sociolinguística - Uma Introdução Crítica do autor Louis-Jean Calvet.
Editado pela Parábola, São Paulo, Brasil, Ed. 2002, 176 p., tradução de Marcos Marcionilo. Louis-Jean Calvet, é doutor em linguística pela Sorbonne, doutor em letras e ciências humanas pela Universidade de Paris V. É professor da Sorbonne (Université René Descartes), onde ensinou sociolinguística até 1999. Atualmente é professor na Universidade de Provence (Aix-Marseille 1).
O livro é composto por
06(seis) capítulos e é apresentado por Marcos Bagno, linguista brasileiro. Nele
estão expostas discussões sobre como o uso da língua influencia o meio, as
pessoas e a sociedade. Este assunto tomou dimensões a partir do nascimento da
linguística moderna com Ferdinand de Saussure (1857-1913), época em que ele
propôs um novo modelo, abstrato: a língua a partir dos atos da fala. Saussure
afirma que a língua é a parte social da linguagem, que língua é diferente da fala, a fala é individual
livre e concreta, ou seja, a língua é um sistema que conhece apenas a sua ordem
própria, “a língua em si mesma” e o resto. E então todos estas afirmações
constituíram o ponto de partida do estruturalismo em linguística. A partir dai
sua teoria foi seguida por respeitados estudiosos que também delimitaram o
campo de sua ciência de modo restritivo.
“Contudo “mais adiante,
escreve Jean-Louis Calvet,” que as línguas não existem sem as pessoas que as
falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes” e esta
afirmação vai trazer à tona uma divergência fundamental para outros linguistas,
que consideram e muito o social na língua. É quando entram em cena duas
correntes que irão se desenvolver de modos diferentes: uma foca na organização
dos fonemas de uma língua em sua sintaxe; a outra, na estratificação social
das línguas de acordo com as classes sociais.
William Labov discorda de
Sausurre e afirma que a língua é um fato social e que a linguística então, só
pode ser uma ciência social e assim define que a sociolinguística é a
linguística, conforme declara nosso autor na página 31- item 5 deste livro.
O linguista francês Antoine
Meillet (1866-1936) que quase sempre fora tido como discípulo de Sausurre,
define a língua como um fato social e diz que “ao separar a variação
linguística das condições externas de que ela depende, Ferdinand de Saussure a
priva da realidade; ele a reduz a uma abstração que é necessariamente
inexplicável”. Quando Saussure opõe linguística interna e externa, Meillet as
associa. Enquanto Saussure elabora um modelo abstrato da língua, Meillet põe na
balança o fato social e o sistema que tudo contém.
Neste capítulo entendemos então, que o tema da
língua como fato social, central em Meillet, é profundamente anti-saussuriano e
que depois da publicação do Curso de Linguística Geral, outro discurso se
instala: as funções sociais da língua.
Ainda neste capítulo são
mencionados outros estudiosos com posições marxistas acerca da língua: Nicolai
Marr (1864-1934) autor da teoria das línguas jaféticas. Ele dissera ter a
língua uma origem comum para todas, inicialmente sob forma gestual, depois a
partir de quatro elementos fônicos-----sal, ber, yon, et rh ----- é constituída
a linguagem da casta que estava no poder. Fica subentendido então que, a língua
desde sua origem é o instrumento de poder e sempre será marcada pela divisão da
sociedade em classes sociais.
Marr acreditava que o
advento mundial do socialismo provocaria a aparição de uma nova língua.
Mikhail Bakhtin( 1895-1975),
hoje o mais célebre representante da linguística. Pesa sobre ele da década de
70, a dúvida sobre a autoria de alguns livros, acredito por questões políticas,
mas o livro aqui resenhado não dá continuidade ao fato e indica apenas sua
biografia, então nada mais acrescento.
Marcel Cohen( 1884-1974
), especialista em línguas semíticas e membro do partido comunista
publicará uma obra em 1956” Por une Sociologie du Langage” que será aceita
muito bem na República popular da China e um encontro histórico em 1974 lá, uma
delegação de linguistas americanos, inclusive Charles Ferguson e William Labov,
se encontram e desse encontro surgirá
uma obra coletiva ( Language and
Linguistics in the Peple`s Republic of
China) na qual se abordam, entre outros assuntos, a reforma da língua, o
ensino das línguas estrangeiras, as línguas das minorias, a lexicografia etc.
Nesse ponto, Louis-Jean Calvet opina sobre esse encontro dizendo que “...não
pode haver sociolinguística sem sociologia, e se a tentativa soviética não foi
em nada satisfatória, o problema de uma análise da língua em sociedade
subsiste.”
Basil Bernstein (1924-2000 )
especialista inglês em sociologia da educação será o primeiro a levar em
consideração as produções linguísticas reais e a situação sociológica do
falantes. Ele faz uma comparação entre as crianças da classe operária e as
crianças das classes abastadas e constata que as primeiras apresentam uma taxa
de fracasso escolar muito maior que a segunda, se utilizando das produções linguísticas
das mesmas e define dois códigos, os quais chama de restrito( o único que as
crianças dos meios desfavorecidos dominam que se caracteriza por frases breves
e sem subordinação e vocabulário limitado), e o código elaborado ( dominado pelas
crianças das classes favorecidas, que dominam também o código restrito). Esses
estudos foram importantes porque foi a primeira vez que se fez uma descrição da
diferença linguística partindo da diferença social. Porém, essa afirmação foi
melhor estabelecida por William Labov, na qual mostrou que Bernstein não
descrevia verdadeiramente códigos, mas sobretudo estilos. Embora suas teorias
hoje sejam poucos citadas, ele representou uma virada significativa na história
da linguística como uma espécie de caralizador da concepção social da língua.
William Bright ( 1928-2006
)Em uma conferência sobre sociolinguística em Los Angeles em maio de 1964,
encarregado de publicar as atas, define já no seu princípio que a
sociolinguística ”não é fácil de definir com precisão”. Ele define quais são os
fatores que condicionam a diversidade linguística em 03(três) :a identidade
social do falante, a identidade social do destinatário e o contexto e isto
representa um marco da análise linguística relacionado à teoria da comunicação(
emissor, receptor e contexto).
No mundo existem entre 4.000
e 5.000 línguas diferentes e cerca de 150 países e isto comprova que o mundo é
plurilíngue e que as línguas estão constantemente em contato e o resultado
disso é um dos primeiros objetos de estudo da sociolinguística. O autor
argumenta que parece obvio a interferência de elementos estrangeiros em uma
língua, principalmente no sistema fonológico, morfológico e sintático. Como
sugestão de leitura, fica o livro Languages in Contact de Uriel Weinrich.
Há também uma observação
importante no que diz respeito as interferência no campo lexical: os falsos
cognatos. Louis- Jean Calvet comenta também a importância do plurilinguismo,
pois no caso de um falante não falar a língua do outro, tomarão posse de uma
terceira língua, chamada de veicular, ou seja, de conhecimento comum. Mas caso
nenhuma das partes conheca esta última, eles vão inventar para si outra forma
de língua, geralmente uma língua mista ( sabirs). Exemplo da língua franca
(italiano+outras línguas do contorno do mediterrâneo). Porém, quando esse
processo de comunicação torna-se mais amplo e seu sistema sintático mais
desenvolvido, chama-se de pidgins. Temos
como exemplo o inglês pidgin desenvolvido entre comerciantes ingleses e
chineses ao longo da costa do mar da China. Inglês business? Na p.51, o autor
cita uma advertência: ”A cada vez, a comunicação se produz a despeito do
plurilinguismo, ou sobretudo sob a forma de administração do plurilinguismo.
Mas o bilinguismo social nem sempre é tão harmonioso. Ele pode ser também
conflituoso”.
Louis-Jean Calvet se
manifesta levantando a hipótese de que a língua não passa de mero “instrumento
de comunicação”, o que significa uma relação neutra entre o falante e sua
língua. Aqui não vou me estender, haja vista todas as considerações feitas por
estudiosos a respeito, nos capítulos anteriores do livro, e já comentadas de
maneira convincente. Quanto aos preconceitos, concordo que a história comprova
essa situação, pois na verdade o preconceito não é contra a língua, mas sim
pela classe social a qual o falante pertence. E isso ocorre também nos dias de
hoje. Se for pobre, não fala direito. No Brasil, por exemplo, o falar bem
ocorre em São Luis do Maranhã; na França em Anjou. No entanto, acredito que não
existe modo certo ou errado de se falar e sim o “uso certo”, quando a situação
exige o uso da norma padrão da língua. Certamente o autor tem razão quando diz
que “não se tem as mesmas atitudes linguísticas na burguesia e na classe
operária, em Londres ou na Escócia, hoje e cem anos atrás.” “Aqui o que
interessa à sociolinguística é o comportamento social que essa norma pode
provocar”.
No capítulo 3 há uma
passagem muito interessante no que diz a segurança/insegurança com algumas
pronúncias da língua: Peter Trudgill conduziu na cidade Norwich, na
Grã-Bretanha, uma longa pesquisa da qual tomaremos atenção a um ponto: a
pronúncia de termos como tune, student,
music pelas duas variantes coexistentes em Norwich, /ju:/ e /u:/. Assim
para tune, temos /tju:n/ de um lado e
/tu:n/ de outro. A primeira é considerada como mais prestigiosa que a segunda.
Após analisar a gravação, o pesquisador pediu aos candidatos à pesquisa que
relatassem como pronunciavam ou pensavam que pronunciavam e após cruzamento das
respostas, 40% deles que praticavam a pronúncia “prestigiosa” tinham tendência
a subavaliar sua própria pronúncia, ao passo que 16% daqueles que praticavam a
outra, tendiam a superavaliar a própria pronúncia.
Interessante também o que
ocorre em Nova York, com a pequena burguesia. Numa pesquisa, W.Labov, declara
que existe uma profunda insegurança linguística entre os falantes e acrescenta
que “em geral, os nova-iorquinos tem certa repugnância pelo “sotaque” de sua
cidade e estão convencidos de que há uma língua ‘correta’ que se esforçam por
atingir em sua conversação monitorada”.
Em relação à significação
para fonética e a fonologia, William Labov foi o primeiro a estudar de modo
convincente a questão língua e fala- o abstrato e o concreto. Faz uso da
dicotomia saussuriana. Ele estudou o uso de duas semivogais na população de uma
ilha situada à costa de Massachussetts: a pronúncia do ditongo /ay/ em palavras
como right,wine,wife e do ditongo
/aw/ house, doubt, out. Definiu ao
mesmo tempo sua metodologia e teoria das relações entre as estratificações
linguísticas e sociais.
Revendo este texto bastante
complexo, ficam claras as evidências das mudanças que ocorrem na língua, sejam
elas intencionais ou não. Podem ocorrer por causa da modernização na escrita ou
no léxico, mas também com a incorporação de muitas palavras estrangeiras. A
língua é um produto social e toda mudança que ocorrer dentro de uma comunidade
será refletida através dela.
PÓS - 2013
Ficou incrível a resenha.
ResponderExcluirObrigada por disponibilizar!
Muito obrigada!
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