Resenha do livro A Escola e o Conhecimento - Fundamentos Epistemológicos e Políticos por Mario Sergio Cortella.

Resenha do livro A Escola e o Conhecimento - Fundamentos Epistemológicos e Políticos.


Introdução


Por Cortella, Mario Sergio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 14ª edição, São Paulo, editora Cortez, 2011. 
Este livro vem abordar um tema relativamente complexo e atual. Ele permeia assuntos pelos quais tem se discutido quase que diariamente no meio educacional. Tem seu foco argumentado nos fundamentos epistemológicos e políticos de uma sociedade.
  
Podemos agrupar de forma bem clara quatro elementos para que haja uma interação entre escola e conhecimento: humanidade, conhecimento, escola e sociedade. Por todo sempre a humanidade vem buscando sua identificação através da construção do conhecimento, tentando promover na escola um lugar onde se eduque para a liberdade, para tornar a sociedade um espaço igualitário e em especial chama a atenção dos educadores para que eles façam uma reflexão sobre o sentido social concreto do que fazem. 

No capítulo 1 - Humanidade, Cultura e Conhecimento – há reflexões sobre O que significa ser humano. Cortella faz uma metáfora, a qual ele chama de “passeio’ pelas nossas origens culturais, ou seja, o mundo humano, o conhecimento e valores há tempos adaptados: as fronteiras de não neutralidade”. 

No capítulo 2 - Conhecimento e Verdade - a matriz da noção de descoberta, ele discursa sobre os elos históricos do paradigma grego, o percurso das indagações filosóficas e a presença de Sócrates: A síntese platônica Ressonâncias. 

No capítulo 3 - A Escola e a Construção do Conhecimento, discorre sobre relativizar - caminho para romper a mitificação, intencionalidade, erro e pré-ocupação, ritualismos, encantamentos e princípios.

No capítulo 4 - Conhecimento Escolar - Epistemologia e Política, faz uma indagação sobre a relação sociedade/escola, alguns apelidos circunstanciais, a construção da inovação, inquietações contra o pedagocídio e sobre ideias e pães. 

Cortella inicia esta obra fazendo uma bela introdução no que se refere a conhecimento, pontuando por vários filósofos e pensadores e a cada um deles sua linha de pensamento sobre como entendem “conhecimento”: Aristóteles - o homem é um animal racional - ; Platão - um bípede implume - ou um cadáver adiado, por Fernando Pessoa. Todos eles definindo a essencialidade da natureza humana e seu destino. Com base na teoria da evolução, o homem é um animal que teve de se fazer, se construir e construir o próprio ambiente. 

O autor demonstra que o conhecimento é uma construção cultural e a escola tem um papel político de promovê-lo, tanto de forma inovadora como conservadora, ou seja, preservar o que foi bom e ainda dá resultados. Ele também deixa clara a intenção de rebater a ideia de que o conhecimento seja uma ”descoberta” e faz uma alusão perfeita sobre adaptação e afirma que adaptar-se significa estar imerso a uma situação específica; é conformar-se e por causa disso submeter-se a ter de buscar o que precisamos, mas que é necessário romper a acomodação e enfrentar a realidade para nos tornarmos livre. 

Lembra que com a redemocratização do ensino, o alvo passa a ser educação para todos pois é um direito social e não poderia ser o contrário, mas ainda nem todos tem direito a ela. Encontramos problemas de inclusão, adaptação dos jovens e adultos (EJA), repetência, evasão, desinteresse do aluno e entre outros há ainda a formação pedagógica do professor, pontuada aqui por pedagocídio. Não basta gostar de crianças para ser capaz de ensinar. 

Uma das questões que desafiam as nossas práticas pedagógicas é a concepção sobre o conhecimento que às vezes é interpretado como algo pronto, acabado, sem ligação com seu valor histórico e tratado como algo mágico, que “cai dos céus”. O conhecimento é relativo à história e à sociedade e não é neutro, mas político, porque envolve o poder que advém por tê-lo.
  
Para contrapor esse mito é preciso encontrar um caminho, aqui chamado de “relativizar”. Não pode se negar aos alunos a compreensão do conteúdo sem fazer um paralelo cultural histórico e social para a produção do conhecimento, caso contrário, fica reforçada a ideia da mitificação e a sensação de impotência e incapacidade cognitiva deles. Mesmo os conhecimentos ligados às ciências naturais e matemáticas precisam ser relativizados. Perceba a beleza da abstração da matemática: é absolutamente construída.
  
“Outra questão citada no livro trata da intencionalidade, erro e pré-ocupação, defendidos por Para Paulo Freire: “fazemos”, e se fazemos, logo pensamos, assim existimos” reflete que o saber pressupõe uma intencionalidade, o método: uma ferramenta; portanto foi escolhida, sendo assim, não ha neutralidade. Então, o melhor método será aquele que propuser a melhor aproximação com o objeto em estudo, mas ainda não garantirá a exatidão, pois a aproximação da verdade dependerá da intencionalidade, da finalidade da verdade. Haja visto, porque fazemos, pensamos, e porque pensamos, fazemos nossa existência.
  
Daí a importância do erro: o conhecimento é resultado de processo e este não está isento de equívocos. Errar é decorrência da busca e só quem não busca não erra. Ser inteligente, não é errar, mas saber como aproveitar e lidar com os erros. 

Outra questão muito expressiva e discutida nas salas de reuniões pedagógicas é quanto ao distanciamento entre o universo dos alunos e o currículo (às vezes elitista) proposto pela escola, abrangido no item três. Ritualismos, encantamentos e princípios. O autor faz uma comparação com a sala de aula e um culto religioso e defende que a sala é um espaço para confrontos, conflitos, rejeições, paixões, medos e saberes, para tornar-se “humano”. Nem todos os assuntos discutidos e explanados pelo professor serão prazerosos, mas o professor deve ensinar prazerosamente e com dedicação ao tema. 

Ele lembra que o professor ao elaborar um plano de aula deve explicitar o tema ao contexto histórico e politico da época e menciona, por exemplo, as festas juninas e o porquê das roupas remendadas e os dentes pintados de preto. Quanto ao currículo escolar a escola pode e deve fazer seus ajustes de acordo com as características da comunidade que a envolve.
  
Outra questão importante abordada nessa obra é densidade demográfica que ocorreu nos centros urbanos a partir de 1964 e a necessidade de um novo modelo de escola com o objetivo de promover a cidadania, criando um elo entre educação, epistemologia e política. 
Percebe-se que mudanças precisam ser feitas no campo da educação, mas qual a finalidade da prática pedágogica? 

Dentre as tendências, ou abordagens de ensino, surgiu uma visão denominada otimismo pedagógico, porém ingênua, diz nosso professor Cortella, pois esse seguimento sugeria que a educação era a solução para superar todas as desigualdades sociais, mas ele adverte que a pobreza e a miséria não foram criadas pela educação. Nesse seguimento a escola ficava em uma posição desligada das classes sociais, era neutra, uma vez que não questionava, ou seja, um “inocente útil”. Quanto ao papel do professor, tinha autonomia, era figura central na sala de aula e visto como portador de uma vocação. 

Essa tendência predominou quase isoladamente até meados dos anos 70, pois um novo modelo chegaria para focar mais o trabalho pedagógico. 

A partir dos anos 70, ainda com a ideia centralizada no pensamento de que a educação tinha mesmo que servir ao Poder e era dele um instrumento dissimulado de dominação e reprodução das classes sociais. Configurava uma época denominada pessimismo pedagógico, quando a escola era mera reprodutora da desigualdade social e o educador um passivo da ideologia dominante, ou ainda um funcionário elitizado. A escola era vista como um aparelho ideológico do Estado sem nenhuma autonomia. O termo pessimista foi adotado, pois revelava o sistema discriminatório da escola com um perfil altamente conservador e excludente. 

A partir dos anos 80, outra concepção teve seu lugar de destaque, chamada de Otimismo crítico ou Teoria Crítica. Aqui se pensa: Escola e Educação, momento em que houve a necessidade de lidar com situações contraditórias. As ideias conservadoras e as inovadoras tiveram de ser ajustadas. Desencadeou-se um embate em decidir o que havia de se manter do modelo tradicional, pela sua eficiência pedagógica, e afastar os ideais arcaicos ineficientes para adotar valores novos que provocassem um pensamento crítico. A escola passa a ser um lugar de mudanças, estimula-se a reflexão, ao pensamento crítico às ações da sociedade e ele como parte dela.
 
A relação professor/aluno é de igual para igual, mas o aluno agora se torna centro na relação ensino-aprendizagem. Existe uma valorização do currículo escolar, o qual está direcionado as suas experiências com uma linguagem acessível a ambos, e que seja concreto e apropriado às suas vivências. 

A formação do professor precisa ser repensada (uma sólida base científica, a formação crítica de cidadania, solidariedade de classe social), bem como a relação professor-aluno, ou seja, estar preparado para enfrentar as diferenças, adaptação dos livros didáticos e do currículo proposto, rever as formas de avaliação e discutir as causas intra-escolares, responsáveis pelo fracasso escolar. Cortella reafirma o que ele chama de obvio: “há um fortíssimo reflexo das condições de vida dos alunos no seu desempenho escolar, há muitas décadas se discute isso, sem mudanças significativas na nossa ação coletiva”. 


Final 

Para concluir esse estudo, apreciamos o feito do autor em fazer uma transição das ideias filosóficas, passando pelos filósofos e educadores mais famosos, até chegar ao tema principal: Escola e Conhecimento. A educação é direito de todos e tem de sê-lo, pois faz parte da abrangência democrática.
  
O conhecimento é produzido por nós. Não à mitificação e à neutralidade e Sim a produção do conhecimento, através da intencionalidade e sua finalidade. Fazemos, logo pensamos. Não há busca sem finalidade. A verdade está entre nós, é social e histórica. Devemos buscar o conhecimento produzindo conhecimento. Para a educação não há verdade absoluta, mas sim uma busca pela produção da verdade. A ciência sempre procura a verdade e a modifica a cada nova descoberta. 
  
A educação escolar deve acompanhar as mudanças que ocorrem significativamente em nosso ambiente. “Nossa relação de interferência no mundo se dá por intermédio da ação; entretanto, não é uma ação qualquer que nos distingue... nossa ação, porque altera o mundo, é uma ação transformadora, modificadora, que vai além do que existia”. 

Várias abordagens apareceram a partir de 1964, mas não estavam entrelaçadas, conforme leitura do capítulo 4. Conhecimento Escolar: epistemologia e política (p. 129-160). 
Muitas correntes de ensino vieram para fomentar esse ideal, mas nenhuma delas até hoje sanou os problemas de inclusão, indisciplina e desinteresse, pois “fica claro que parte do desinteresse e “indisciplina” pode ser atribuído ao distanciamento dos conteúdos em relação às preocupações que os alunos trazem para a escola”. 

Ele fala sobre um ditado chinês que diz que, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando um pão, ao se encontrarem, eles trocam os pães; cada um vai embora com um. Porém, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando uma ideia, ao se encontrarem, trocam as ideias e cada um vai embora com duas.
E pergunta: _Quem sabe, é esse mesmo o sentido do nosso fazer? Repartir ideias, para todos terem pão...

Cortella, sabiamente diz que a maior tarefa dos educadores está na junção entre epistemologia e a política, na destruição do “aqui é assim”... a paixão pela ideia irrecusável de que gente foi feita para ser feliz...paixão pelo futuro”. 





Este trabalho foi formulado com base nos estudos de educadores/pesquisadores do autor e leituras subjacentes.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma análise do Romance " As Meninas" de Lygia Fagundes Telles.

Resenha do livro Sociolinguística – Uma Introdução Crítica ( Louis-Jean Calvet)

TRIÂNGULO AMOROSO ENTRE JERICOACOARA- PARNAÍBA E TERESINA