O AVESSO DO EU


Muitas vezes o que nos sobra, nos consola ou o que nos move é aquilo que está dentro de nós, mas do lado avesso de nós: o nosso eu recolhido, medroso, cheio de incertezas, mas capaz de explodir num grito que só você ouvirá.

Seus desejos mais íntimos passeiam por lá e lá você está nu, sem pudor, apenas você. São cavernas rasas, fáceis de acessar. É perto do coração e da morte. Por esta razão, tão fácil de chegar, pois está à tona e talvez um dia transborde e desnude o teu eu.

Por diversas vezes vamos formulando pensamentos que pairam a beira do abismo, mas que por falta de coragem eles ficam sós nas entrelinhas bem apagadas da nossa imaginação e quando nos sentimos seguros em nossa solidão eles emergem sorrateiros e nos levam para um estado de realização um tanto imoral.

São tantos os caminhos que te levam ao teu eu, ao avesso dele. Não é fácil aceitá-lo. Vivemos em constante briga com ele. Esse eu é desconhecido por quase todos que estão a tua volta e  é aconselhável que ele fique adormecido para não causar estranheza aos presentes.

Então vamos vivendo nossos dias, desejando não passar pelo previsível, pois o previsível é convencional e monótono e às vezes até doloroso. Repare numa pessoa deprimida. Pergunte a ela porque está tão triste e angustiada? Ela pode até te responder que não sabe, mas o avesso do eu sabe.

O que ela tem vontade não tem sentido, então ela se cala e se concentra no que não deve por em prática e daí a dor aumenta porque ela não tem coragem de trazer o eu a tona e explodir. Quando ela não realiza as vontades do avesso do eu, ele grita bem lá dentro e o organismo não consegue controlar a produção de adrenalina porque ele também não entende o que se passa com o eu. Mas o avesso do eu sabe. Contudo, ele se esconde e então uma confusão se instala e ninguém sabe quem ordena pra quem.

São dois “eus” tentando se ajudar.  Mesmo que pareça, eles não pretendem ter o poder máximo e sim uma lógica entre o “eu” posso, o “eu” quero.  É o “meu” desejo. Se o avesso do eu não prevalecer, talvez seja necessária uma intromissão farmacológica e adiar seu breve mandato.

Sim, o avesso do eu reina bem pouco. Ou ele muda a situação ou se torna fantasia e assim vai vivendo camuflado nas cavernas rasas do consciente até ser perturbado por outra ideia adjacente.

26/09/2018

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